Difícil de explicar, complicado para entender, fácil de sentir: nada abala o Cholismo
Quando os alto-falantes do estádio Cívitas Metropolitano, ainda chamado de Wanda pela torcida do Atlético de Madrid, anunciam as equipes, há um ritual em todas as partidas. Nenhum jogador é mais ovacionado pelo torcedores colchoneros do que o treinador Diego Pablo Simeone. Não foi diferente na noite desta quarta-feira (26) em Madri, quando o Atleti enfrentou o Bayer Leverkusen pela quinta rodada da fase de grupos da Champions League.
Nas arquibancadas, a camisa antiga do clube, da década de 1990, com o número 14 nas costas, ainda é uma das preferidas - e não apenas entre os mais velhos, muitos jovens também levam nas costas o nome Simeone. Quando chegou no clube, em 1994, vindo do Sevilla, o volante Diego Simeone já era uma realidade, atleta da seleção argentina. Tornou-se ídolo, saiu para defender a Inter de Milão em 1997, passou pela Lazio e voltou ao clube em 2003 para ficar por mais dois anos. Já em 2011, quando se destacou como treinador no Racing, a ida para a capital espanhola era inevitável. Foi o início do fenômeno chamado Cholismo e sua simbiose com um clube marcado pela luta.
Passada mais de uma década, dois títulos de LaLiga, uma Copa do Rei, uma Supercopa espanhola, duas Europa Leagues, duas Supercopas europeias e dois vice-campeonatos da Champions, Simeone está no olimpo colchonero. Ele e Luis Aragonés, que dá nome à avenida que chega ao estádio e tem uma estátua à sua frente, são os dois maiores nomes na história do Atlético. Atualmente, clube e treinador se confundem, o que não é necessariamente positivo. A impressão que passa, muitas vezes, pela forma como o Atlético de Madrid age na sociedade, é que o clube se tornou uma extensão das ideias e do comportamento do técnico argentino.
Na beira do campo, Simeone não se limita um minuto sequer à área delimitada para os treinadores; algumas vezes, nem mesmo a linha lateral do gramado. "Joga" com o time e "fala" com a arbitragem o tempo todo. Quando Moussa Diaby recebeu a bola dentro da grande área, após linda troca de passes do Leverkusen, e finalizou para fazer 1 a 0, Simeone imediatamente mirou o árbitro e passou a fazer o gesto do VAR com as mãos. Sabia, no entanto, que seu sistema defensivo fora vazado legalmente.
Cobra-se do treinador um futebol de maior qualidade pelo elenco que possui o Atleti. De 2011 para cá, o clube se transformou em todos aspectos possíveis, passando a figurar entre os grandes orçamentos do continente e tornando-se capaz de fazer contratações bombásticas, como a chegada de João Félix do Benfica por 126 milhões de euros em 2019. É injusta a cobrança por maior variação tática; nos últimos anos, apesar do vencedor e clássico 4-4-2, a equipe variou para 3-5-2 e 3-4-3 com frequência alta. Nem sempre, porém, resultados obtidos com atuações mais ofensivas. O DNA de raça, entrega, dedicação extrema e futebol reativo persiste, assim como as palavras "Coraje y Corazón", montadas na área externa do estádio e ponto de fotos para os torcedores.
A finalização na entrada da grande área de Yannick Carrasco, indefensável para Lucas Hradecky aos 22 minutos, fez com que o Cívitas Metropolitano explodisse em vibração, regido por Simeone com socos no ar e olhos nas arquibancadas. Essa energia está presente o tempo todo nas atitudes do treinador, e sua regência colabora para inflamar os torcedores e transmite, inevitavelmente, um sentimento de luta. Se outrora o Atlético, com todas essas características acima, já foi uma fortaleza defensiva, hoje em dia carece dessa força. Tanto é que ainda no primeiro tempo ficou atrás do placar novamente, ao perder a bola na intermediária e sofrer o segundo gol com Callum Hudson-Odoi aos 29 minutos.
Diante do Leverkusen, precisando vencer para seguir com chances de classificação na Champions, Simeone montou o time no 4-4-2, com dois meio-campistas defensivos - Axel Witsel, que também vem atuando como zagueiro na temporada, e Geoffrey Kondogbia. No intervalo, sacou Mario Hermoso e Ángel Correa e mandou a campo Saúl Ñíguez e Rodrigo de Paul, retomando a linha de cinco ao fazer de Carrasco novamente ala. Funcionou rapidamente, com o segundo gol de empate, desta vez com De Paul logo aos cinco minutos.
A pressão colchonera permaneceu, Matheus Cunha entrou na vaga de Morata, o Atlético perdeu boas oportunidades e até mesmo Simeone passou a pedir calma para seus jogadores, quando Kondogbia isolou a bola em um chute de fora da área aos vinte minutos. A relação de Simeone com os jogadores é outro tema que merece destaque. Há aqueles que o amam e tantos outros que não sentem o mesmo. A ideia de "paizão" no vestiário está longe de ser a mais verossímil possível. João Félix que o diga, ao entrar nesta quarta-feira já quase nos acréscimos.
Mesmo assim, a cada gesto de Simeone para as arquibancadas, o estádio pulsa junto. Há uma conexão quase biológica entre torcida e treinador. O Cholismo é, atualmente, a filosofia mais forte que existe no futebol mundial. Não há nada parecido, e a referência não é necessariamente o tempo de permanência de Simeone no cargo, mas essa relação que se torna de dependência em muito momentos, e que, como citado acima, não é algo exclusivamente bom. Ao mesmo tempo, é uma das principais responsáveis pela transformação do Atleti no continente. O Cholismo é um dogma seguido cegamente pelos colchoneros e não tem data para terminar; as críticas que vêm da imprensa não ecoam nas arquibancadas. Algum dia, naturalmente, Diego Simeone deixará o clube, talvez ao final do atual contrato em 2024, mas permanecerá sempre na história do clube independentemente do que ainda acontecer.
O final desse eletrizante empate em 2 a 2 entre Atlético de Madrid e Bayer Leverkusen ajuda a entender um pouco tudo isso. Escanteio na última jogada, Jan Oblak na grande área, apito final. Muita reclamação em campo de um possível pênalti e a ida de Clément Turpin ao VAR para rever o lance e confirmar a penalidade máxima. Os minutos que se seguiram foram de uma tensão incrível no estádio; os segundos seguintes à defesa de Hradecky na cobrança de Carrasco ainda mais impressionantes, com o cabeceio de Saúl no travessão e o chute de Reinildo desviado pelos jogadores do Leverkusen. Com os jogadores do Atleti desabados no gramado, a torcida cantou e celebrou a entrega de todos. Vibrou por ser Atleti. Drama, emoção, coragem, coração, sem obrigatoriamente o resultado desejado... Cholismo.
No próximo sábado (29), já há compromisso por LaLiga, contra o Cádiz na Andalucía, com transmissão ao vivo pela ESPN no Star+ a partir das 11h30. Na semana que vem, o Atlético brigará apenas por uma vaga nos playoffs da Europa League. Nada, porém, que abale o Cholismo, algo difícil de explicar, não tão simples de compreender, mas fácil de sentir. "Há duas maneiras de continuar: ser uma vítima ou seguir trabalhando. Estou na segunda parte", sintetizou Diego Pablo Simeone após a partida, que garantiu ainda ser o dia mais duro em sua trajetória no Atleti depois das derrotas nas finais da Champions. "Quando lhe tiram coisas na vida, surgem outras. Vamos por essas outras."
Difícil de explicar, complicado para entender, fácil de sentir: nada abala o Cholismo
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