Entrevistei a minha maior inspiração no jiu-jitsu. Com vocês, Kyra Gracie!
Sim, eu entrevistei a Kyra Gracie para o espnW. Claro que eu não podia perder a oportunidade de escrever sobre isso aqui. Em algum momento, eu já escrevi sobre ela ser uma de minhas grandes inspirações. Mas acho importante ressaltar que ela foi a minha primeira inspiração.
Quando comecei a treinar, eu não conhecia nenhuma mulher faixa preta próxima. E então, eu encontrei Kyra Gracie (na internet, claro). Para mim, era óbvio que ela era faixa preta, afinal, era da família mais tradicional de jiu-jitsu do mundo. E achava que nunca ia conseguir alcançar. Isso foi em 2006, ela tinha acabado de ser graduada. Hoje, sabendo melhor sobre sua história e vendo quantas mulheres já se tornaram faixas pretas, eu me inspiro ainda mais e tenho certeza que posso chegar lá.
Consegui depois de tanto tentar, marcar uma entrevista com ela, ainda que via Skype, já que eu moro em São Paulo e ela no Rio de Janeiro. Eu tinha muitas perguntas para fazer para Kyra, não sabia nem por onde começar. E então, eu comecei já dizendo: “Olha, Kyra, muito obrigada por topar falar comigo, eu queria aproveitar para dizer, antes de mais nada, que você foi a primeira mulher que vi faixa preta e achei que era tão óbvio, sabe? Não queria ter pensado isso de você antes de saber toda sua história... Hoje vejo o quanto você foi importante, o quanto sua luta inclusive dentro da família foi importante. Agradeço muito por tudo o que fez pelo jiu-jitsu”.
Ela abriu um sorriso, agradeceu e perguntou minha faixa. E assim começamos a entrevista. Kyra já disse: “não existe essa coisa de você é Gracie, faixa preta é campeã. Ninguém te dá isso. São coisas que você conquista, não tem como te dar uma faixa preta e nem um campeonato de jiu-jitsu. Tudo o que fiz na minha vida foi fruto de muito trabalho, dedicação, fui a primeira faixa preta da família Gracie, hoje vejo o quão importante isso foi, porque outras mulheres da família chegaram a faixa preta, mas não só da família como outras meninas e que não tinham uma referência, começaram a ter e começaram no jiu-jitsu. Isso é muito gratificante, você ter essa missão, porque eu como uma menina, única da academia na época... volta e meia tinha uma ou outra, na maior parte eu era única”.
Sim, ela também é humana, ela também treinou, ela também teve suas dúvidas e se questionou se devia parar. “Muitas vezes já me questionei: ‘será que jiu-jitsu é para mulher mesmo?’. Tive minhas dúvidas ao longo da minha carreira... e muitas vezes fico pensando porque eu não era incentivada. Quantas vezes eu como mulher me senti deslocada nos papos, era só papos de homem e enfim... e você começa a se questionar porque as pessoas falavam que jiu-jitsu não era mulher, que eu ia morrer de fome se fosse lutar e viver disso. Um homem nunca vai aprender com uma mulher. É uma ideia muito machista, que infelizmente tinha, hoje tem ainda também, mas estamos trabalhando para quebrar essa barreira. Existe preconceito e machismo muito grande”.
Que o machismo e o preconceito são um mal da sociedade, sabemos. Mas, conversando com ela, me pareceu que o fato de ter passado por tantas situações difíceis fez com que ela tivesse forças de seguir em frente e hoje quebrar aquele tabu de que ‘homens não querem aprender com mulheres’.
Além de pentacampeã mundial de jiu-jitsu e bicampeã do ADCC, Kyra já foi comentarista do Canal Combate (o qual deixou recentemente para se dedicar ao seu novo business), organiza campeonatos (ela organizou a Copa Kyra Gracie, só para mulheres e é a idealizadora do Gracie Pro, sabe? Aquele que teve a luta lendária entre Roger Gracie e Buchecha) e, além de mãe de Ayra e Kyara, esposa do Malvino Salvador, filha, professora... Ela é dona de uma das academias de maior infraestrutura do Brasil, a Gracie Kore, que inaugurou no ano passado e fica no Espaço Vogue, Rio de Janeiro.
Falamos muito sobre a Gracie Kore, mas de tudo, o que mais me chamou a atenção, foi a pegada social que muita gente nem deve imaginar que existe. Kyra dava aula em um projeto social chamado Kapacidade. Ela trouxe alguns alunos que hoje têm entre 15/16 anos (e na época do projeto tinham 5/6) para trabalhar com ela na academia. Além de instrutores, eles aprendem a cuidar da academia como um todo, desde aulas, recepção, lojinha... Para que, no futuro, possam seguir no jiu-jitsu da maneira que quiserem (e puderem).
Além disso, ela contou sobre a ‘mensalidade social’; “temos a mensalidade social, a qual uma parte da renda é destinada a projetos sociais que a gente apoia, ligados a luta, não só do jiu-jitsu mas pode ser MMA, boxe, enfim”... Como não admirar?
Para ela, a academia, além de social, é sustentável: “eu quis trazer um todo. Tem a parte social, a parte sustentável... que a gente não usa copo de plástico, tudo nosso é reutilizável. A gente estimula nossos alunos a trazerem a própria garrafa, o que a gente quer é mudar o mundo um pouco de cada vez”.
Muito inspirada em seus antepassados, ela foi tirando uma coisa de cada academia para formar a própria. Com dois tatames, aulas simultâneas, aula para pais e filhos e algo importante: um espaço kids.
E embora pareça que Kyra já está completamente realizada na vida, ela tem muitas outras missões. “É importante que todas as pessoas que trabalhem com o jiu-jitsu entendam a responsabilidade de ser um professor e que você tem que saber dar aula para qualquer pessoa. E o mais legal é transformar a vida das pessoas. Não é só formar um campeão mundial. Sim, pode ser um plano, mas e todas as outras pessoas que não podem ser campeãs mundiais? Quanto elas podem se beneficiar do jiu? Minha missão é essa, com o jiu-jitsu, metodologia, elevar o nível de ensino e levar isso para todas as pessoas.”
Por isso, ela investe, além do jiu-jitsu competitivo, em algo que foi perdido durante o tempo na arte marcial, que é a defesa pessoal. “A maneira com que se ensina a defesa pessoal não é dinâmica, nem para o dia-a-dia, onde a pessoa sinta necessidade de aprender. Por isso comecei a estudar a história do jiu na minha família e entender como meus bisavós e avós deram aula. (...) Você tinha que saber se defender nas situações mais comuns do dia-a-dia, de agressões e hoje a gente vê muitos faixas pretas que não sabem se defender. Essa base da defesa pessoal é super importante e aqui, nós temos aulas de defesa pessoal, onde o aluno aprende realmente a base do jiu-jitsu e evolui com uma qualidade muito boa para ir pro jiu-jitsu esportivo se quiser ou mesmo pela prática como estilo de vida”.
Não posso contar tudo porque, em breve, vou publicar na íntegra o vídeo da entrevista no WatchESPN. Mas, queria destacar que a questionei o fato de ter treinado para o Mundial de 2011 na Atos, que é minha equipe (sou dessas). Parece estranho alguém que tenha familiares espalhados pelo mundo, não escolha uma ‘Gracie’ para se preparar.
“Sempre tive uma ótima relação com o André, competimos juntos por muitos anos. Me aproximei mais do André por causa dos Mendes. Porque treinamos juntos em SP e por conta deles serem mais magrinhos e estarem competindo em alto nível, eu ia pra lá, passava uma semana lá e outra aqui, fiz isso durante um tempo para poder me preparar para o Abu Dhabi. E aí, seis meses depois estava indo pro Mundial e percebi que lá seria um ambiente muito bacana para treinar com pessoas do meu peso e que estavam focadas em lutar o mundial”, disse. “O que aconteceu foi que o Roger estava em Londres, o outro tava não sei onde e quando vi, cada um da minha família estava num lugar e eu achei que lá era o melhor treino pra mim e fui. Foi muito bom, eu tive um camp maravilhoso, treinamos muito, aprendi bastante, e a gente segue com uma amizade muito legal e acho que a gente não pode se privar, porque fulano é de uma equipe, e isso e aquilo. A gente tem que ter a cabeça aberta, tenho a cabeça aberta de preciso evoluir todos os dias. Hoje estou na faixa preta três graus e eu estudo jiu-jitsu, vejo muitas pessoas estão fazendo, o que posso adaptar para o meu jogo. E foi uma experiência muito bacana, eu só tenho a agradecer e levar isso como uma bagagem positiva, para passar pros meus alunos toda essa parte do treino, da dedicação... Então foi muito bom”.
Não-consigo-parar-de-falar. Falamos no Skype durante 40 minutos e foi um papo muito enriquecedor. É uma grande honra poder conversar e perguntar tudo o que sempre quis para alguém que foi quem me inspirou. Sinto orgulho, ainda mais agora, por ter tido essa oportunidade. Kyra foi muito receptiva, paciente e me falou tudo o que eu queria (e muito mais). Foi muito enriquecedor para mim como atleta e jornalista.
Em breve, vai ter mais! E eu publico aqui :)
Fonte: Mayara Munhos
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