Punição aos Astros por roubo de sinais: você quer justiça ou justiçamento?
Um ano de suspensão para o técnico e para o general manager, dois anos sem primeira e segunda escolha no draft e uma multa de US$ 5 milhões. Foi essa a punição imposta pela Major League Baseball ao Houston Astros por desenvolver e manter um esquema de uso de tecnologia para roubo de sinais dos catchers adversários nas últimas temporadas. Os donos da franquia e os jogadores saíram ilesos, assim como o título da World Series de 2017.
ENTENDA:
- Ex-jogador diz que time campeão da MLB em 2017 usou trapaça na campanha do título
- O que pode acontecer com os Astros depois do escândalo de roubo de sinais?
A reação inicial de muita gente foi considerar a pena leve. Afinal, os Astros foram campeões enquanto estavam trapaceando. Ou seja, o benefício pelo roubo de sinais foi muito maior que o custo. Qualquer jogador ou qualquer clube faria a mesma troca: perder seu técnico, seu principal dirigente, algumas escolhas de draft e US$ 5 milhões para levar um troféu para casa. “No mínimo, tinham de tirar o título de 2017!”, foi uma afirmação bastante comum no Twitter nesta segunda.
Vamos com calma.
É tentador meter uma paulada federal no Houston Astros, daquela de deixar o time sem rumo. Tira o título, bane o clube de participação de playoffs e ainda o proíbe de negociar jogadores por alguns anos. O time mais consistente da MLB nos últimos anos rapidamente viraria um pária na liga e, em poucas temporadas, já estaria no fundo da tabela. Mas seria mesmo justo? Foi para tudo isso? Não estaria punindo pessoas que não têm nada a ver com isso? Isso é fazer justiça para punir um infrator ou justiçamento para atender a sede de sangue dos torcedores derrotados?
É preciso colocar a punição em perspectiva. Não apenas pelo que realmente representou a infração, mas também dentro do contexto de punições que a MLB (e, de certa forma, as outras ligas americanas) impõe a suas franquias.
Obs.: o caso de Alex Cora e do Boston Red Sox ainda não foi decidido. A MLB reforçou agora sua investigação aos Meias Vermelhas e Cora, que teria criado o esquema em Houston em 2017 e o levado a Boston no ano seguinte, pode pegar o maior gancho de todos. Especulam até um banimento perpétuo da liga.
As punições anunciadas estão entre as maiores já aplicadas pela MLB. A suspensão de um ano para AJ Hinch (técnico) e Jeff Luhnow (general manager) são mais que o dobro da pena para um jogador que foi pego no doping. E a punição em si é pesada não apenas pelo ano em que o sujeito fica sem trabalhar -- e sem receber --, mas também pelo fato de sua imagem ficar suja no mercado. Tanto que, horas após o anúncio da MLB, Hinch e Luhnow foram demitidos por Jim Crane, dono dos Astros. Provavelmente levará alguns anos para ambos recuperarem um posto de destaque na liga, se é que o farão.
Para os Astros, perder Luhnow e escolhas das duas primeiras rodadas nos drafts de 2020 e 21 pode ter implicações maiores do que parecem. O general manager era o grande líder de um dos melhores (talvez o melhor) departamentos de inteligência da MLB, capaz de identificar promessas e desenvolver ainda mais o talento de jogadores já rodados, sobretudo arremessadores. Uma punição a ele não apenas pode tirar a capacidade de articulação desse grupo técnico, mas também jogar a culpa da trapaça nesses profissionais. Muitos já recebem propostas de outras franquias. Desde esta segunda, a chance de alguns aceitarem aumentou sensivelmente.
Além disso, uma instabilidade nessa equipe de inteligência, além de uma eventual má imagem que a franquia deixe no mercado, pode tornar os Astros mais frágeis para negociar com jogadores. E haverá muito trabalho nessa área: cinco jogadores -- Josh Reddick, Yuli Gurriel, Michael Brantley, George Springer e Brad Peacock -- ficarão sem contrato ao final da próxima temporada, e mais oito -- Zack Greinke, Justin Verlander, Roberto Osuna, Joe Smith, Carlos Correa, Martín Maldonado, Lance McCullers e Chris Devenski -- têm vínculo por apenas mais dois anos. Algumas trocas desvantajosas ou não-renovação com alguns desses agentes livres podem desfazer rapidamente a base vitoriosa de hoje.
O draft também pode ter um impacto, ainda que em longo prazo. Na MLB, há escolhas compensatórias (extras) após a primeira e após a segunda rodada, então, perder as escolhas das duas primeiras rodadas pode significar mais do que dois jogadores que deixam de ser recrutados. E, para uma franquia que pode precisar de talentos novos para se manter no topo quando o time atual envelhecer ou trocar de equipe, ficar sem os melhores talentos em duas classes seguidas deixaria buracos importantes.
Outras punições soariam mais a aplacar sede de sangue do que fazer justiça. Os Astros trapacearam, e isso os ajudou a conseguir resultados melhores nos últimos anos. Mas não muda o fato de que a equipe realmente é boa, competitiva e teria totais condições de conquistar o título de 2017 sem o roubo de sinais.
Trapaça por trapaça, a justiça esportiva não costuma mudar o resultado de uma competição de esporte coletivo se um jogador -- por mais decisivo que ele tenha sido -- atuou dopado. Seria desproporcional fazer isso pelo roubo de sinais. Ainda mais porque poderia motivar o Houston a querer que todas as franquias fossem submetidas ao mesmo nível de cuidado, forçando a investigação nas práticas de todos os outros 28 times (os Red Sox não entram na conta porque já estão sob investigação). E certamente a MLB encontraria vários outros casos de roubos de sinais, criando um ciclo interminável de punição que poderia ruir a estabilidade política e credibilidade técnica da liga.
Isso não significa que a decisão da MLB tenha sido uma maravilha. Ela foi muito complacente com Crane e com os jogadores dos Astros (e, pelas informações veiculadas pela imprensa, partiu do elenco a ideia do esquema para roubo de sinais e sua aplicação). Mas seria difícil a liga impor uma pena pesada a um de seus sócios (os US$ 5 milhões de multa não fazem nem cócegas) e suspender ou multar jogadores poderia levar a uma longa disputa jurídica com a associação de atletas.
De qualquer modo, a MLB precisa agir rapidamente no caso do Boston Red Sox (que é menos grave, mas não pode ser ignorado). E pensar em uma forma de os sinais serem passados de maneira mais segura. Um ponto eletrônico não seria difícil de implementar. É só querer.
Fonte: Ubiratan Leal
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