Gritos e violência verbal: a homofobia e discriminação que vivenciei nos estádios
Quantas vezes em estádio vivenciei homofobia e discriminação? Inúmeras, comigo, com colegas, com jogadores, treinadores e até mesmo entre torcedores.
Em uma partida em que atuei como assistente 1, que fica do lado do banco de reservas, o alambrado do estádio era bem próximo ao campo. O quarto árbitro foi chamado de “macaco” por dois torcedores que estavam atrás de mim no alambrado e próximo ao meu colega. No momento do ocorrido, eu quis paralisar a partida, chamar o árbitro, solicitar o policiamento, fazer um boletim de ocorrência, mas o quarto árbitro pediu para deixar de lado, que já estava acostumado com aquilo, era comum e constante em sua vida.
Comum talvez, normal jamais. Não é por ser algo corriqueiro ou comum que se pode tratar como normal.
Escutei de tudo nos estádios, algumas coisas impossíveis de pronunciar e repetir. Frases como “você só pode ser sapatão para estar no futebol”, “lugar de mulher é na cozinha”, “seu viado”, “seu macaco” e essas são amenas perto de outras que jamais conseguiria escrever ou dizer.
Um outro fato interessante de relatar e que gerou um grande mal entendido foi quando o árbitro percebeu/entendeu que um jogador era chamado de “Neguinho” por seus companheiros. Esse árbitro costumava conversar com os jogadores os chamando por seus nomes ou apelidos. Em um lance de jogo, se dirigiu ao jogador como “Neguinho” e foi quando a confusão se criou, pois o jogador se revoltou se sentindo ofendido pelo árbitro, achando que estava sendo discriminado, correndo o campo para contar ao seu treinador, querendo parar o jogo. Só depois de algum tempo deu a oportunidade ao árbitro de explicar que havia sido uma mal entendido e que jamais quis ofender. Os ânimos se acalmaram, mas ficou uma lição para toda equipe de arbitragem que participava daquele jogo, inclusive eu.
Essas são apenas duas histórias de dezenas que eu poderia contar de situações vivenciadas em jogos de futebol.
Cruzeiro e Vasco jogaram este final de semana pelo Brasileirão e a torcida mineira entoou cânticos homofóbicos baseados em discurso de ódio contra a comunidade LGBTQ+ quando o sistema de som do Mineirão anunciou o gol do Corinthians contra o Atlético-MG, por volta dos 42 minutos do segundo tempo. O árbitro Marcelo Aparecido, diferentemente da atitude de Anderson Daronco na partida entre Vasco x São Paulo, não paralisou o jogo e tampouco relatou o fato em súmula.
Porém, isso não impede uma punição à equipe mineira, que pode ser enquadrada no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva: “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
Na partida entre Vasco x São Paulo, no último dia 25/08 no Rio de Janeiro, mais especificamente no estádio de São Januário, pela primeira vez um árbitro, neste caso Anderson Daronco, parou o jogo em função de gritos homofóbicos e relatou o fato na súmula. Os árbitros que deixarem de relatar fatos ocorridos durante a partida dos quais tiverem acesso e conhecimento, também podem ser questionados pelo STJD.
“Clubes da série A se unem pelo combate à homofobia, não somente em campo, mas no dia a dia. São inaceitáveis práticas ainda existentes em nossos estádios: temos que dar um basta!”, texto divulgado por todos os 20 clubes da série A no Twitter, no último dia 30/08.
Quem acompanha o futebol sabe que cantos assim são comuns em alguns estádios e partidas, não somente no Brasil, são formas de provocar o adversário, alguns podem até mesmo cantar por entrarem na onda e no clima da torcida, não por serem homofóbicos, mas hoje isso não é permitido, é considerado crime e as equipes podem ser punidas até com perda de pontos.
Ser comum não pode ser confundindo com ser algo normal. Nenhum tipo de preconceito é normal, seja ele qual for. A CBF lançou recentemente a campanha de respeito aos árbitros, mas o respeito deve ser mútuo, ou seja, árbitros, jogadores, adversários, torcedores, dirigentes, jornalistas, independente de classe social, gênero, religião, idade, estatura, cor dos olhos, pessoas com algum tipo de deficiência, respeitar sempre as diferenças, seja ela qual for, é relevante para todo o tipo de convívio.
Respeito é a palavra chave, além de normal, ela deve se tornar comum.
Que isso sirva de aprendizado para todos, para um futebol e uma sociedade melhor. O que antes poderia ser uma “brincadeira” para alguns, hoje é crime.
“RESPEITO: ESSA É A REGRA DO JOGO.” E deveria ser uma das principais Regras da Vida.
Fonte: Renata Ruel
Gritos e violência verbal: a homofobia e discriminação que vivenciei nos estádios
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