Ter dupla (ou tripla) jornada entre treinos e trabalho não faz de você uma exceção
Já que faz um tempão que não escrevo por aqui (muito menos algo pessoal), vou aproveitar o gancho do campeonato que disputei no último final de semana para falar um pouco sobre minha percepção de treinar, competir e ter uma vida pessoal [quase] normal.
Embora seja muito difícil botar tudo o que vou falar em prática no dia-a-dia, na minha cabeça esse tipo de coisa é muito certo. Isto se chama foco, dedicação, prazer em fazer aquilo que escolhi e driblar algumas adversidades.
De fato, eu levo uma vida dupla. É o que dizem meus amigos próximos e minha família. Eu saio de casa 6h da manhã para treinar, saio do treino para o trabalho, do trabalho para o treino e volto para casa por volta das 23h. É uma rotina cansativa e exaustiva, porque isso me tira muito tempo de descanso ou lazer. Além da longa rotina de horário e de minha casa/trabalho/treino não serem nada perto um do outro, no meio do dia muitas coisas acontecem: pressão no trabalho, pressão nos treinos, trânsito, imprevistos...
No domingo eu disputei a III Etapa do Circuito Paulista e comecei a reparar como quando sempre que eu perco uma luta, as pessoas usam os mesmos argumentos para me consolar: “Mas Mayara, você tem uma vida dupla, você trabalha e ainda treina”. Ok, pessoas, obrigada por isso, eu amo vocês de verdade e sei que falam isso de peito aberto – não estou pedindo para que não falem. Eu realmente acho um esforço tremendo. Por um momento, até achei que era uma baita glória ou que eu devia mesmo ser uma pessoa diferenciada, mas eu vivo no meio disso e me esforçar não faz de mim uma exceção. Todos se esforçam da sua maneira.
Eu não sou diferenciada, eu sou só mais uma.
Eu não convivo em meio à atletas profissionais, o que faz de mim só mais uma pessoa entre tantas outras que, simplesmente, precisam se dividir entre trabalhar, treinar, algumas estudar e ainda ter filhos, competir e ter uma vida pessoal. Eu seria uma exceção se me esforçasse o mínimo e alcançasse o resultado máximo, seria um ponto fora da curva. Mas em meu meio, eu sou só mais uma.
É claro que eu reconheço todos os meus esforços diários para manter essa rotina em pé. E eu não estou dizendo que é fácil – porque não é, mesmo! Diariamente a gente precisa fazer pequenas escolhas e isso se chama foco. Por exemplo: eu sei que posso dormir 2h a mais para trabalhar, mas eu escolho acordar 2h antes de ir treinar. Ou então que eu posso sair do trabalho e ir encontrar uma galera para fazer um 'happy hour', mas eu escolho ir treinar. Eu podia treinar só de manhã ou só a tarde? Claro. Mas o que isso me agregaria mais ou menos? Óbvio que eu 'saio do trilho' uma vez ou outra, mas não num panorama geral, porque a partir do momento em que me prontifiquei a fazer uma coisa, creio que eu deva fazê-la com excelência até o final. E é por isso que cobro tanto de mim mesma o resultado de uma competição. E creio que a maioria das pessoas que tem essa dupla ou tripla jornada também.
O que também não é tão bom caso passe do ponto [reconheço que às vezes eu passo mesmo]. E talvez esse ‘passar do ponto’ seja um empecilho para conquistar os resultados esperados. Quando eu me lesiono, por exemplo, eu acho praticamente inaceitável que eu precise ficar sem treinar. Eu penso que talvez eu possa estar deixando de treinar durante uma hora enquanto a pessoa que eu vou enfrentar no campeonato treinou sei lá, três horas a mais do que eu – isso é doido.
Estive conversando com algumas pessoas que convivem bastante comigo, principalmente meus professores, e a opinião é unanime – o que torna um fato. Eu sempre me lesiono ou fico doente às vésperas de uma competição. E desta vez não foi diferente.
Mas o prazer de competir e de abrir mão de algumas coisas, mesmo que doam um pouquinho o coração [tipo “amigas, não vou no aniversário de vocês porque estou 100% com a cabeça na luta da semana que vem e não posso desviar o foco”], para estar lá e não deixar que toda essa rotina insana seja em vão, é muito sensacional.
Sentir a adrenalina de um campeonato é muito incrível. E desde que eu decidi que ia voltar às competições [por volta de 2014], reconheço que cresci muito. E na verdade, a cada derrota, eu tenho crescido ainda mais. Eu acumulei bronze para caramba este ano, perdi de vista... E como explicar? Ano passado eu obtive resultados bem melhores treinando menos. Mas a cada medalha que olho, eu tento me lembrar o que fiz de errado e como posso tentar melhorar. Essa é uma percepção que eu não tinha lá pelos meados de 2014.
Depois da derrota de domingo, eu percebi que embora eu tenha conseguido colocar em prática quase tudo o que tenho treinado, faltaram alguns detalhes. Se fosse antes, eu nem teria ideia do que fiz durante a luta. Pelo menos eu consigo lembrar agora, hahaha.
Apesar de parecer clichê e talvez uma 'desculpa de perdedores', perder nos ensina muito. Ganhar é sensacional, é uma sensação realmente indescritível, por isso as pessoas se perdem nas comemorações e às vezes fazem umas loucuras na hora daquela adrenalina louca. Ganhar demais também deve ser sensacional, porque te bota numa zona de segurança tremenda. E perder é horrível, eu odeio perder.
Mas como sempre aprendi a ver o lado bom das coisas [mesmo que eu deixe prevalecer os ruins às vezes], eu tenho tentado enxergar o que melhorei e me focar no que ainda preciso ajustar. Sou cercada de pessoas que me elevam sempre e me fazem acreditar ainda mais que dá para chegar lá. E acredito que quando chegar, vai ser igualmente incrível. É uma caminhada longa, complexa e que precisa de persistência.
E depois de tudo, na segunda-feira a rotina continua insana. Perder não vai te fazer acabar com a vida e ganhar não vai te fazer tirar uma semana de folga para comemorar 'metendo o louco'.
Na verdade eu gravei um vídeo falando sobre isso de rotina vs treinos vs competições durante o Campeonato Brasileiro do ano passado que eu nunca publiquei [e nem vou, hahaha]. Mas de certa forma, acho que talvez eu devesse compartilhar com quem também precisa passar por tudo isso e mesmo assim não se derruba por nada, porque o prazer de realizar tudo isso é maior do que qualquer cansaço físico, mental, derrota... E às vezes, até mais valioso do que umas vitórias [mas eu quero ganhar, ok?]! <3
Ter dupla (ou tripla) jornada entre treinos e trabalho não faz de você uma exceção
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