Sete xícaras de café, nervosismo e 40 minutos: os bastidores da conversa com a atacante Marta
Foi uma noite de pouco sono. Uma daquelas noites que você, mentalmente, cria “possíveis” diálogos. Não lembro exatamente quando tinha sentido isso pela última vez, mas o que posso garantir é que quando o momento da manhã de segunda-feira de fato aconteceu, ele foi muito melhor do que tinha planejado na minha mente. Essa é a narrativa da repórter que entrevista pela primeira vez a melhor jogadora de futebol do Brasil, Marta, uma das maiores da história do esporte mundial, referência e inspiração para todos.
Quando cheguei no quarto do hotel em que Marta estava hospedada, fui recebida com um sorriso largo. Gosto quando isso acontece, um entrevistado que dá boas-vindas com o que existe de mais bonito ao primeiro encontro. Eu, ainda “desajeitada”, pensando na lista de perguntas que queria fazer, levei alguns minutos para conseguir agir naturalmente ali. O gelo inicial foi então quebrado quando ela contou que tinha tomado sete xícaras de café na noite anterior, que a noite ideal de sono (completa) deu lugar à ansiedade de acordar para o compromisso nas primeiras horas da manhã. Quer dizer, se até a Marta, acostumada com prêmios e homenagens, estava nervosa, eu também poderia estar.
“Ainda dá para sentir a adrenalina em dias assim?”, perguntei iniciando nossa conversa. Marta respondeu que sim, mas foram as constantes pausas na fala interrompidas pelas lágrimas nos olhos que me ofereceram a melhor das respostas e o combustível para esse relato. Foi a expressão no rosto dessa jogadora, além das palavras, que deu a dimensão de quem ela é fora dos gramados: uma gigante.
Eu fui reconstruindo algumas imagens enquanto ela falava: toda vez que a atacante alagoana sobe num palco, escuta o hino nacional num grande evento com a camisa da seleção, ela é invadida por lembranças de um passado marcante. Aos 14 anos, no trajeto de ônibus saindo de Dois Riachos. Chegando ao Rio de Janeiro, apavorada com os desafios no time feminino do Vasco da Gama. Ela e todas as pessoas que cruzariam o seu caminho até que entrasse para a história como a única atleta a receber seis vezes o prêmio da Fifa de melhor do mundo. Quantas cenas passearam pelos meus pensamentos.
Foi intenso. Essa Marta, que ganhou prêmios quando eles sequer existiam, que desbravou o futebol sueco e o norte-americano, que recebeu pela primeira vez e outras 5 uma Bola de Ouro, nos ensina através de uma linda trajetória sobre resiliência, sobre determinação e sobre como também se reinventar. “A gente tem que tentar evoluir, a gente sempre tem alguma coisa para melhorar, não dá para desistir, independente dos obstáculos, o que aconteceu é para mostrar que tudo é possível. Eu passei um tempo sem vencer e olha 2018, voltar a ganhar foi um exemplo, para que as pessoas também não desistam”, relembrou Marta.
Durante nosso encontro, fiz questão de reforçar como a presença dela no Bola de Prata dessa edição, recebendo a Bola de Ouro pela primeira vez, nos orgulhava. E, por mais óbvio que seja, vale lembrar o porquê. Marta é a força que serve como exemplo para que superemos situações no campinho na esquina de casa, nas partidas no bairro, nos estádios, nas ruas, no dia-a-dia. É a história da mulher que foi quebrando as barreiras do preconceito para conquistar espaço, que ao não desistir dos sonhos tornou-se dona de um rosto e uma voz que potencializam nossa luta por igualdade. Nesse ponto, o discurso emocionante da rainha na premiação da ESPN foi também mencionado no bate-papo. “A igualdade de gênero é um pacote completo, vem o respeito, vem o empoderamento, vem tudo aquilo que é necessário para entender que nós seremos humanos somos capazes de tudo, independentemente do sexo”. E, em 2018, o trabalho como embaixadora do ONU Mulheres fez com que essa responsabilidade aumentasse, “algo que o dinheiro compra, não é o status, é um trabalho através do teu exemplo de vida, da tua história, me sinto muito honrada”, contou emocionada.
Foram 40 minutos muito especiais. 40 minutos que já estão eternizados na minha trajetória como jornalista. Tempo suficiente para me lembrar que há pessoas que nascem sim para o sucesso, mas que é o caminho percorrido ao longo da vida que determina o tamanho de suas conquistas. A menina humilde e obstinada de Dois Riachos sempre vai existir e talvez por isso a mulher Marta seja quem é hoje.
Fonte: Bibiana Bolson
Sete xícaras de café, nervosismo e 40 minutos: os bastidores da conversa com a atacante Marta
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