Fofão está estudando marketing e preparando sua autobiografia
Gazeta Press
Tenho que reconhecer que a minha paixão por esportes é fruto de todos os estímulos que recebi dos meus pais na infância. Lembro com saudades das manhãs em que, juntos, assistíamos à Fórmula 1, das tardes de futebol com meu pai e meu irmão mais novo, das idas ao estádio, da 'Olimpíada' que organizávamos no pátio da minha casa no interior do Rio Grande do Sul, de como Copa do Mundo e qualquer outra competição se tornavam um grande evento na família Bolson.
A escola também teve um papel fundamental, e foi a experiência como levantadora do time do colégio que me ensinou algumas das lições que até hoje carrego. Eu nunca fui boa jogadora, mas era bastante esforçada e sentia uma felicidade gigantesca em estar uniformizada, treinando.
Fazer parte do time do Rui Barbosa (escola em que estudei em Giruá) representava uma vitória: a da menina magrinha de pernas tortas que, por alguns minutos em quadra, se sentia muito forte. Era lição para a mesma menina que tinha que entender que o treinador precisa fazer escolhas e que nem sempre você estará entre elas. Portanto, aproveite quando chegar sua hora. Treine, erre e erga a cabeça!
Minha mãe, apaixonada por vôlei, foi uma das minhas maiores incentivadoras na modalidade. Sabia que eu não era boa, que não teria uma carreira, mas me levou para treinos, tanto nas piscinas (nadei por anos), quanto nas quadras.
Essas lembranças de criança fizeram com que minha admiração por uma jogadora da seleção brasileira, em especial, atravessasse os anos. Em três décadas de esforço, de treinamento, de paciência, de recomeços e, claro, de conquistas, Fofão virou uma referência no esporte e é difícil não tê-la como um exemplo de mulher inspiradora.
Fofão esteve em cinco edições de Jogos Olímpicos, conquistou dois bronzes (1996 e 2000) e o ouro em Pequim-2008. Foi campeã mundial, eleita a melhor jogadora de inúmeras competições e recebeu, também, o título de melhor do mundo. Ah, está no Hall da Fama do Esporte (para poucos)!
Tudo fruto de tolerância e persistência, como bem definiu Zé Roberto Guimarães, treinador tricampeão olímpico. Fofão soube assimilar o que aconteceu ao longo dos anos. Se não era extremamente talentosa, insistiu com inteligência porque sabia que com trabalho e tempo o sucesso chegaria, disse Zé.
Fofão foi campeã olímpica pela seleção brasileira, em Pequim-2008
Divulgação
É isso. Fofão representa mesmo, para o Brasil, um daqueles exemplos dos quais reclamamos no dia-a-dia que estamos carentes: as pessoas querem tudo com imediatismo, querem os resultados para agora e nem sempre se preparam para colher os frutos...
Tempo...Tempo, Senhor da Razão! Fui ver o tão esperado ouro do Brasil (em 1992, eu tinha apenas três anos) quando já estudava Jornalismo, em 2008, mas claro que a vibração foi gigante! E Fofão estava lá. Depois, como repórter, tive a oportunidade de conhecer a jogadora de pertinho e cobrir o jogo em que a história de três décadas passou como um filme pela cabeça da camisa 7. Foi a partida em que Fofão se despediu das quadras, no décimo título do Rio de Janeiro na Superliga, em 2015.
A mais vitoriosa jogadora de vôlei do Brasil, a mulher guerreira, disciplinada, campeã olímpica conversou comigo sobre sua carreira, sobre a Hélia Souza (seu nome), aposentadoria e outros assuntos.
espnW: Fofão, queria que você compartilhasse conosco como foram os primeiros dias depois que parou de jogar...
Fofão: Eu lembro que dormi dois dias seguidos, tava muito cansada. Foi muita energia no último jogo, uma carga emocional muito grande. Então, era um sono acumulado. Meu marido me perguntava se eu estava doente, triste, mas não era isso, eu só queria descansar. Depois é que começa a cair a ficha sobre o que você vai fazer, sobre ter que se habituar com o que vai viver. Eu me preparei para parar, mas não me preparei para o "o que vou fazer depois", sobre o que ia fazer logo em seguida. Tive dois meses para trabalhar isso em mim, começar a colocar em prática. Me chamaram para eventos, foi muita correria. Aí, depois, veio a vontade de voltar a estudar (está cursando Marketing), de fazer cursos para ocupar a cabeça.
espnW: Qual a sua maior saudade?
Fofão: Tenho saudades do dia-a-dia... viver como uma ex-atleta é muito diferente. Enquanto jogadora, apesar da rotina de treinos, cada dia a gente vivia uma coisa diferente, e tem a convivência com outras jogadoras, aquela sensação de pressão frequente. É estranho não sentir mais a sensação do coração disparar, vou morrer e não vou mais ter essa adrenalina. Sinto muita falta daquela emoção do que é estar em uma quadra.
espnW: E lado bom de parar?
Fofão: Você pode viver! Pode cuidar de você, de quem você ama.. O atleta sempre acha que não há vida depois da aposentadoria, mas há (risos). Você vai se redescobrindo, muda totalmente tudo, você tem que se cuidar mais, é uma mudança intensa. Mas é tão bom poder ter um domingo com a família, almoço tranquilo, são pequenas coisas que a gente curte muito e que são importantes.
espnW: Fofão, resiliência, persistência, determinação, são palavras que combinam muito com você e sua história. Você se enxerga assim?
Fofão: Acho que sempre fui muito marcada por isso. As pessoas que acompanharam a minha história sabem... eu acho que a minha carreira foi feita disso, é muito difícil esperar a sua vez, se preparando, sendo reserva, acreditando que a hora vai chegar. Vivi várias situações que as pessoas não teriam tanta paciência. Tudo foi aprendizado. Se passei por isso, foi pra me fortalecer. Há uma razão de ter encarado essas dificuldades e os apertos.
espnW: Tem algum arrependimento?
Fofão: Não tenho arrependimento. Tudo aconteceu da maneira que tinha que ser, minha vida foi escrita de uma maneira muito perfeita, porque eu nem imaginava que pudesse chegar aonde cheguei. Foi o sofrimento de lesões, de ser reserva, de ficar longe da família. Isso faz parte de um processo que temos que viver para chegar a algum lugar. Quem quer chegar, tem que sofrer para chegar, se fortalece mais.
espnW: Recentemente, a prisão de Nuzman (ex-presidente do COB) expôs ainda mais uma realidade que todos lamentamos: a corrupção na escolha do Rio de Janeiro como sede olímpica, o tráfico de influência, o legado olímpico marcado pelas obras superfaturadas e, hoje, abandonadas... Como você se sente diante disso tudo?
Fofão: Para nós que somos atletas é muito triste. A gente imagina a corrupção na política, mas nunca imagina que dentro do esporte vai ter essa situação. Quando atinge direto o esporte, é chocante. O atleta é muito guerreiro, vai para competições com esforços próprios, sem patrocínio, muitas vezes com dinheiro do próprio bolso, luta para sobreviver dentro do esporte... e aí, você vê dirigentes que deveriam estar pensando naqueles que entregam tudo em campo, em quadra, nas mais variadas modalidades, mas que estão enriquecendo e nos envergonhando.
Fofão se despediu das quadras em 2015, em jogo da Superliga pelo Rio de Janeiro
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espnW: O Nuzman é uma decepção para você?
Fofão: Com certeza. Conheci ele muito nova, vi o quanto ele fez pelo esporte, mas agora está pagando pelo que fez (Nuzman está preso, suspeito de negociar a compra de votos para a eleição do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016). O esporte brasileiro é maior do que isso, não merece ficar manchado pelo que aconteceu!
espnW: Curiosamente, ele, certa vez, disse em entrevista que faltava ambição aos atletas brasileiros, que se contentavam com pouco. Criticou o lado psicológico dos esportistas do Brasil. Hoje, a ambição pelo poder e pelo dinheiro colocou Nuzman atrás das grades. Como é saber disso, Fofão?
Fofão: É claro que um atleta não entra para perder ou para fazer feio numa competição, mas a gente não sabe em que condições esses atletas conseguiram chegar aonde chegaram. Como já disse, muitos chegam para competir sem ajuda, sem patrocinadores, não é fácil ser atleta no Brasil. É um orgulho, uma vitória, apenas o fato de ser atleta por aqui.
espnW: Qual o sentimento sobre o Rio-2016?
Fofão: Eu falava, antes da Olimpíada, que não gostaria de ter essa no Brasil. Sabia como era viver uma Olimpíada, tinha participado de cinco. Sabia como exige do país em termos de investimento. Mas quando o Brasil foi aprovado, aceitei. Acontece que foi bem pior do que eu imaginava. A Olimpíada no Brasil não deixou legado, não teve nada de positivo. A expectativa era que, de alguma forma, fosse implantado algo bom para o esporte, que o esporte crescesse, recebesse a atenção que merece para a atual e as próximas gerações, mas vimos o contrário... instalações abandonadas, Parque Olímpico nas condições que sabemos, uma vergonha para todos!
Fofão está no Hall da Fama, ao lado de Bebeto e Renan Dal Zotto
Divulgação/CBV
espnW: Quais são seus planos daqui para frente, Fofão?
Fofão: Segue bem corrido. Tenho os projetos de escolinha de vôlei. A gente sai do vôlei, mas está sempre envolvida. Acabo viajando bastante. Por conta das minhas vivências, tenho oportunidade de levar coisas positivas para as pessoas. Estou trabalhando na minha autobiografia. Vou lançar meu livro no ano que vem e um documentário também. São inúmeros projetos. Tomara que eu consiga realizar todos.
espnW: Como você vê seu papel como mulher na sociedade?
Fofão: Eu acho que a minha história tem varias coisas representativas para a mulher, vários tipos de luta. Muitos conhecem minha história desde o início, outros conhecem mais no finalzinho. Sei o quanto as pessoas respeitam tudo o que eu fiz no vôlei. Vejo isso como uma responsabilidade muito grande. Sinto que as pessoas olham para mim como uma inspiração. É uma coisa positiva, as pessoas querem se inspirar em mim. Eu vim de uma família humilde, sou negra, mulher, mas nada disso me impediu de chegar aonde cheguei! Falo sempre que você pode vencer independentemente da sua condição social. Persista naquilo que você acredita!
Antes de encerrar a entrevista, conto para a Fofão sobre os meus tempos de "péssima" jogadora e de como já vibrei com as conquistas dela em quadra com a seleção. Falo, então, que ela tem também uma outra grande fã, dona Simone, minha mãe. Fofão, se despede educadíssima, alto astral, mandando um beijo para ela. Que mulher é a Hélia Souza!
Fonte: Bibiana Bolson
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